sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pra lembrar de mim

Com a formatura batendo na porta, ando saudosista que só - como nunca fui e nunca pensei que seria.
Tenho passado horas reelendo minhas anotações ao longo da faculdade. E até ressucitei esse blog aqui (só não sei por quanto tempo).
Hoje encontrei um trecho de Cem Anos de Solidão, que escolhi como predileto, e um comentário sobre ele. Achei no blog da disciplina que cursei há quase três anos e que me marcou muito.
Foi bom o encontro comigo mesma.

“Começou a cometer erros tentando ver com os olhos as coisas que a intuição lhe permitia ver com maior claridade. Certa manhã jogou na cabeça do menino o conteúdo de um tinteiro, pensando que era água-de-colônia. Ocasionou tantas dificuldades com a teimosia de intervir em tudo, que se sentiu transtornada por crises de mau humor, e tentava vencer as trevas que finalmente a estavam tolhendo como uma camisa de teias de aranha. Foi então que lhe ocorreu que sua inabilidade não era a primeira vitória da decrepitude e da escuridão, mas uma falta de tempo. Pensava que antigamente, quando Deus não fazia com os meses e os anos as mesmas trapaças que faziam os turcos ao medir uma jarda de percal, as coi sas eram diferentes. Agora não apenas as crianças cresciam mais depressa, mas até os sentimentos evoluíam de outro modo. Nem bem Remedios, a bela, subira ao céu de corpo e alma, já Fernanda, sem consideração, andava resmungando pelos cantos que ela levara os lençóis. Nem bem haviam esfriado os corpos dos Aurelianos nas tumbas e já Aureliano Segundo tinha outra vez a casa tomada, cheia de bêbados que tocavam acordeão e se encharcavam de champanha, como se não tivessem morrido cristãos e sim cachorros, e como se aquela casa de loucos, que tantas dores de cabeça e tantos animaizinhos de caramelo tinha custado, estivesse predestinada a se converter numa lixeira de perdição. Lembrando-se dessas coisas enquanto aprontavam o baú de José Arcádio. Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.
- Porra! – gritou
Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
- Onde está? – perguntou alarmada.
- O quê?
- O animal! – esclareceu Amaranta.
Úrsula pôs o dedo no coração.
- Aqui – disse.”

Foi, sem dúvida, um dos trechos que mais me tocaram no livro. É uma mistura de sentimentos recentidos, retraídos, espinhosos e profundamente bonitos. A melancólica decrepitude da velhice, a tristeza de constatar que não se é tão forte quanto se pensa na juventude e que não há como fugir da crueldade e da inflexibilidade do tempo. A clarividência que os anos tiram dos olhos e colocam nos demais sentidos, na mente, no coração; e permite que se veja o mundo, as pessoas e os sentimentos de outra forma muito mais profunda e livre da superficialidade da visão. E principalmente, a dor do não dito, do calado, sufocado pelos dentes e armazenado nos confins do coração.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Quem nunca engoliu?

Desce seco.
Amarga a boca, a garganta, o peito.
Sorte daqueles que podem cuspir.

E as suas palavras, que gosto tem?