quarta-feira, 28 de março de 2012

Ninguém ensinou modos ao amor

Quando chega não bate na porta, não diz oi, não se apresenta.
Quando vai não agradece, não se despede, não se lamenta.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pra lembrar de mim

Com a formatura batendo na porta, ando saudosista que só - como nunca fui e nunca pensei que seria.
Tenho passado horas reelendo minhas anotações ao longo da faculdade. E até ressucitei esse blog aqui (só não sei por quanto tempo).
Hoje encontrei um trecho de Cem Anos de Solidão, que escolhi como predileto, e um comentário sobre ele. Achei no blog da disciplina que cursei há quase três anos e que me marcou muito.
Foi bom o encontro comigo mesma.

“Começou a cometer erros tentando ver com os olhos as coisas que a intuição lhe permitia ver com maior claridade. Certa manhã jogou na cabeça do menino o conteúdo de um tinteiro, pensando que era água-de-colônia. Ocasionou tantas dificuldades com a teimosia de intervir em tudo, que se sentiu transtornada por crises de mau humor, e tentava vencer as trevas que finalmente a estavam tolhendo como uma camisa de teias de aranha. Foi então que lhe ocorreu que sua inabilidade não era a primeira vitória da decrepitude e da escuridão, mas uma falta de tempo. Pensava que antigamente, quando Deus não fazia com os meses e os anos as mesmas trapaças que faziam os turcos ao medir uma jarda de percal, as coi sas eram diferentes. Agora não apenas as crianças cresciam mais depressa, mas até os sentimentos evoluíam de outro modo. Nem bem Remedios, a bela, subira ao céu de corpo e alma, já Fernanda, sem consideração, andava resmungando pelos cantos que ela levara os lençóis. Nem bem haviam esfriado os corpos dos Aurelianos nas tumbas e já Aureliano Segundo tinha outra vez a casa tomada, cheia de bêbados que tocavam acordeão e se encharcavam de champanha, como se não tivessem morrido cristãos e sim cachorros, e como se aquela casa de loucos, que tantas dores de cabeça e tantos animaizinhos de caramelo tinha custado, estivesse predestinada a se converter numa lixeira de perdição. Lembrando-se dessas coisas enquanto aprontavam o baú de José Arcádio. Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.
- Porra! – gritou
Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
- Onde está? – perguntou alarmada.
- O quê?
- O animal! – esclareceu Amaranta.
Úrsula pôs o dedo no coração.
- Aqui – disse.”

Foi, sem dúvida, um dos trechos que mais me tocaram no livro. É uma mistura de sentimentos recentidos, retraídos, espinhosos e profundamente bonitos. A melancólica decrepitude da velhice, a tristeza de constatar que não se é tão forte quanto se pensa na juventude e que não há como fugir da crueldade e da inflexibilidade do tempo. A clarividência que os anos tiram dos olhos e colocam nos demais sentidos, na mente, no coração; e permite que se veja o mundo, as pessoas e os sentimentos de outra forma muito mais profunda e livre da superficialidade da visão. E principalmente, a dor do não dito, do calado, sufocado pelos dentes e armazenado nos confins do coração.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Quem nunca engoliu?

Desce seco.
Amarga a boca, a garganta, o peito.
Sorte daqueles que podem cuspir.

E as suas palavras, que gosto tem?

terça-feira, 24 de março de 2009

Tudo era apenas manchas, borrões disformes, coloridos. Não ligava para os brinquedos, gostava mesmo de ficar olhando o que para os outros era o nada. Simpatizava com as manchas cor de rosa, temia as rochas e diante das vermelhas se confundia: ora pareciam assustadoras, ora passavam uma certa alegria.
Mas, entre todos os borrões de todas as cores, nenhum era tão bonito como aquele. Tão amarelo. Amarelo que se espalhava por todo o quarto nas manhãs de sol e que enchia seu olhos de luz antes de adormecer.
Ninguém entendia seu mundo de cores, sem formas. Um dia, enquanto passava os dedos pelos cabelos de sua mãe, disse insegura com palavras que a pouco aprendera a falar:
“Mãe, como você é amarelo”.
Já tinha aprendido algumas palavras, mas nenhuma parecia ser tão apropriada como aquela: amarelo!
“Amarelo, filha?” - A mãe perguntou curiosa.
Sem saber o que responder, ficou calada, ali, olhando o quanto tudo aquilo era, sim, amarelo.
Um dia teve que acordar mais cedo, entrou em uma sala fria com pessoas sorridentes. Uma delas pingou um líquido gelado que fez seus olhos arderem. Os borrões ficaram mais claros, até as cores eram difíceis de ver.
Sentado pesadamente em uma cadeira, um homem gordo e com roupa branca perguntou: “Ela já sabe as letrinhas?”.
A mãe balançou a cabeça negativamente.
“Letrinhas? O que é isso?” - ela pensou curiosa enquanto o homem de branco apontava uma luz bem pequena e incômoda para seu olho e o analisava bem de pertinho. Ele logo disse: “É, acho que óculos vai ser a única solução.”
Óculos? Não, essa palavra não fazia parte da sua listinha de palavras conhecidas. ÓCULOS? Não resistiu e perguntou, ali mesmo, naquele ambiente de adultos : “É amarelo?”
Ninguém deu atenção, conversaram sobre coisas chatas e falaram tantas outras palavras que ela nunca tinha escutado. Ela nem ligou, só pensava em uma: óculos.
Saiu ainda com as pupilas dilatadas, foi a uma loja. Lá colocaram em seu rosto um objeto estranho: dois pedaços de vidro presos por um metal que pesava em seu nariz e ia até o fim de suas orelhas.
“Muito chato esse tal de óculos” - pensou. Ele nem era amarelo!
Alguns dias depois, ele reapareceu, embrulhado em pano delicado e dentro de uma caixinha. Ao colocá-lo no rosto, dessa vez, tudo foi diferente. As manchas sumiram! Tomaram forma sólida, definível. Ela viu.
Viu que na enorme cortina amarela de seu quarto havia pequenas borboletas azuis e ficou horas detectado-as em meio à imensidão de pano pendurado na janela. Já sabia que as cores eram lindas - e preferia o amarelo - mas, ao procurar as borboletas azuis percebeu que havia muito mais coisas lindas para se ver.
Ela viu. Descobriu o mundo das outras pessoas, mas não deixou de lado o seu. Continuou, de óculos, achando aquilo tudo tão amarelo....